terça-feira, 26 de março de 2013

História e Literatura: Introdução

Há alguns anos, realizei uma pesquisa histórica sobre a Livraria do Globo de Porto Alegre. Compreender o aparecimento da importante casa editora gaúcha, na época em que as maiores editoras brasileiras localizavam-se no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, transformou-e no principal objeto do meu estudo.
Com os dados coletados, trabalho escrito e apresentado como dissertação de mestrado  - Editora Globo: uma aventura editorial nos anos 30 e 40, publicada pelas editora da USP e da UFRGS (1999) -, restou-me uma herança: a curiosidade em torno do sucesso de algumas obras literárias.
Quem administra editoras, quem escreve e produz livros avalia o valor do lançamento bem sucedido, e sabe que dele depende a empresa e a carreira de um escritor.
Com a publicação de Olhai os lírios do campo, em 1938, Erico Verissimo tornou-se um autor nacionalmente conhecido, além de firma-se profissionalmente como escritor.
Escolhi reler Olhai os lírios do campo durante um verão, com a intenção de avaliá-lo para uma futura pesquisa. Surpreendida com a ousadia do autor, perguntei-me sobre quem eram os seus leitores em 1938. Percorri livrarias e bibliotecas atrás de edições antigas. Descobri que o livro de Erico Verissimo tornara-se um sucesso de muitas décadas. Logo transformei esse livro no .
Para avaliar o sucesso, a originalidade e a importância desse romance, transformado em tema pesquisa e objeto de minha tese de doutorado, defendida na UFRGS em 2003, construí um método de pesquisa e de análise com a seguinte base:
  • Avaliação da aceitação pública do romance
  • Reconstituição da dimensão histórica do sucesso de Olhai os lírios do campo
  • Entendimento da relação da história com a Literatura
  • Conhecimento da teoria e construção da metodologia apropriada pela avaliar a modernidade do romance 

> Continua "Avaliação da aceitação pública do romance"

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Ler o mundo e ler os livros

Ler o mundo e ler os livrosTexto publicado no livro História e Literatura, Porto Alegre, 2007.

A vida nos inicia na leitura do mundo e na produção do conhecimento. Família, brinquedo, casa, natureza... nós os percebemos através dos sentidos, da inteligência, dos sentimentos, da intuição e da imaginação. Nós os lemos. Esses atos de conhecimento (de leitura) estão na apropriação do mundo.
Desde o começo, o ato de ler é nosso guia. Segundo Paulo Freire, a leitura do mundo antecede a leitura da palavra. Partimos de leituras não-letradas – o céu e o mar são azuis, o pássaro voa... – e com a ajuda do educador, na família e na escola, entramos no universo da leitura do mundo, num movimento dinâmico, alimentado pelos livros. Ao estabelecermos as relações entre as palavras e o mundo, somos introduzidos no ato prazeroso de estudar o mundo através dos textos, imagens, livros produzidos pelo outro.
O ingresso na Educação Superior nos conduz à intimidade maior com o texto. Através da oralidade (aulas, discussões, diálogos informais) e da leitura curiosa e sistemática, o texto transforma-se no objeto e no instrumento primordial do trabalho intelectual. Na relação pedagógica, professores e estudantes, uma vez conduzidos pelo conhecimento e pelo prazer da leitura, sentem-se mais sabedores do mundo e de si mesmos, mais inteligentes. E não será o desejo de inteligência uma das maiores ambições do ser humano, mais que o da beleza e o da riqueza?
Pelo ato de estudar, de conhecer o que ainda não se conhece, por meio da leitura séria e curiosa, entramos em contato com outros mundos, com outras sociedades humanas, com os movimentos da natureza e a misteriosa ligação dos homens com o sobrenatural. Alcançamos lugares impossíveis, chegamos ao átomo e ao genoma, invisíveis ao olho humano, inalcançáveis à percepção, não fosse a existência das palavras, dos modelos teóricos, dos números e da inteligência fixados nos livros.
Na Antiguidade, enrolavam-se os textos manuscritos que eram guardados em bibliotecas. A mais famosa delas, a Biblioteca de Alexandria, abrigava 500 mil rolos aproximadamente. Os rolos foram sendo substituídos, na Idade Média, por códices manuscritos (livros em páginas) e pelo livro impresso de Gutemberg, tornando-se o principal componente do acervo das bibliotecas até o aparecimento do livro eletrônico, o novo suporte físico-virtual da palavra.
Sem o texto manuscrito, impresso e eletrônico, não haveria a universidade e tampouco a escola. Através do aperfeiçoamento dos sistemas de procura e de incorporação de textos, reproduzem-se o estudo, a pesquisa e a renovação do saber filosófico, teológico, científico, artístico, jurídico, histórico, eletrônico e tecnológico.
Além de públicas e abertas à comunidade desde a época medieval, as bibliotecas proporcionam infinitas leituras, combinações incontáveis de textos e de conhecimentos, de tal maneira que somente o tempo pode limitar-nos, quando nelas estamos. Já é possível pensar numa biblioteca universal e imaginá-la com todos os modos de transmissão da palavra oral e escrita (sons, manuscritos, impressos, “impressos” eletrônicos) em redes de circulação de textos, sons e imagens.
Concretizar o sonho de reunir um acervo universal, imaginado desde Alexandria, e de torná-lo instrumento de conhecimento do mundo, somente tem sentido se preservarmos a capacidade de conhecer a ordenação dos livros na biblioteca, de ler os textos, de escrever e de respeitar a vida. O livro manuscrito, impresso, eletrônico; a internet e outras formas de fixação, transmissão e renovação da palavra e do conhecimento não se movimentam sem a compreensão e as mãos humanas.
Somente nós emprestamos vida e alma à biblioteca (ou à rede), qualquer que seja seu tamanho, extensão ou área de abrangência. Sua leitura é técnica e é arte. É vontade de entendimento do mundo.